O Mercado de Veneza

25 de maio de 2022

O Mercador de Veneza é uma peça teatral do inglês William Shakespeare (1564/1616), escrita entre 1596 e 1598. A cena passa-se em Veneza, onde o nobre arruinado Bassânio precisa viajar a Belmonte, na Calábria, a fim de cortejar  Pórcia, rica e bela herdeira. Para tanto, pede um empréstimo de três mil ducados a seu amigo Antonio,  próspero comerciante, sem disponibilidade no momento. Então,  Antonio obtém  a quantia do usurário Shylock, com a condição de que, se a obrigação não fosse cumprida no prazo, o credor poderia tirar uma libra de carne do devedor. Como o pagamento não houvesse ocorrido no prazo estipulado, o credor exige o cumprimento da obrigação, tal como contratada.

A obra foi tema do clube de leitura da Apamagis. Em razão da pandemia, a palestra foi proferida por via remota pela professora de literatura da PUC-SP  Elizabeth Cardoso, com grande riqueza de conteúdo, após o que se deram os debates.

O exemplar por mim lido é de 2007, publicado pela Editora LPM, com tradução de Beatriz Viegas Faria, mestre e doutora em letras, com especialização em tradução, do Rio Grande do Sul. A peça foi levada ao cinema, em filme de 2004, que pode ser assistido pelo Youtube, com elenco de primeira, havendo outras versões anteriores.

Alguns aspectos merecem observações

Do ponto de vista jurídico, não se trata de fiança nem de garantia pignoratícia ou hipotecária, a assegurar a excussão do crédito sobre o patrimônio do devedor. Cuida-se de multa compensatória de obrigação principal não cumprida. Algo sem valor econômico, para satisfazer o sentimento vingativo do credor em relação ao devedor, seu desafeto.

O assunto diz respeito aos limites da liberdade contratual. Não satisfeita a obrigação, o credor exige a multa compensatória, tal como assumida, invocando o brocardo “pacta sunt servanda”. No direito hodierno, tal cláusula seria inadmissível, por atentar contra a ordem pública, não se tolerando violação da integridade corporal, em razão do princípio da dignidade da pessoa humana.

Na antiguidade, era possível a execução do crédito sobre a pessoa do devedor, se não houvesse bens para a satisfação do credor. Na Lei das XII Tábuas, a Tábua III previa que o devedor fosse levado pelo credor ao juiz. Se não pagasse, era amarrado pelo pescoço e pés e conduzido à feira, onde seria apregoado por três dias. Depois do terceiro dia, era permitido dividir o corpo do devedor em tantos pedaços quantos fossem os credores. Se preferissem, podia ser vendido como escravo no estrangeiro. No presente, a execução em geral só pode recair sobre o patrimônio do devedor, não sobre a sua pessoa. Mas até pouco tempo, era permitida a prisão civil do depositário infiel, o que foi abolido. Por exceção, é admissível a prisão civil do devedor de alimentos no direito de família.

Outro tema que chama a atenção é o papel  feminino naquela época impregnada de patriarcalismo, em que a função da mulher era subalterna, cabendo-lhe cuidar do lar e dos filhos, nada além. Tanto que Pórcia e Nerissa , noiva de Bassânio e sua criada, aparecem disfarçadas de homens para atuar no tribunal como advogados, profissão interdita às mulheres.

Ainda, não há como fugir do antissemitismo. No Ato IV, cena I, diante do tribunal, Pórcia faz um elogio da misericórdia como virtude que vem temperar a justiça. Mas Antonio adverte ser inútil argumentar-se com um judeu de duro coração, difícil de amolecer. Nítido o antissemitismo que permeava a sociedade na época, com os judeus confinados em guetos, sem acesso à plena cidadania.

Por fim, o tema da homoafetividade.   Antonio  dera  como garantia de um contrato  a sua integridade corporal, em benefício exclusivo de seu amigo Bassânio, por quem nutriria um sentimento homoafetivo. Isso transparece mais no filme realizado em 2004, tendo como atores  Al Pacino (Shylock), Joseph Fiennes (Bassânio)  e Jeremy Irons  (Antonio), segundo a crítica.

Em conclusão, a peça transcende a literatura, permitindo reflexões sobre temas sociais e jurídicos, de grande atualidade.

por Paulo Eduardo Razuk

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