Evento da Apamagis mostra como Justiça Restaurativa fez reduzir as punições em escolas de São Paulo e Chicago

16 de abril de 2021

Uma escola em Chicago, nos Estados Unidos, conseguiu reduzir em 75% o número de suspensões dos alunos por meio da Justiça Restaurativa. Com essa mesma ferramenta, a Escola Estadual Barão de Suruí, em Tatuí (SP), conseguiu provocar uma verdadeira revolução no funcionamento da instituição, criando uma gestão mais horizontal, reduzindo conflitos entre alunos e dando a eles protagonismo.

Esses dois exemplos foram temas tradados no seminário “Justiça Restaurativa e Educação: experiências de Chicago e São Paulo” promovido nesta quinta-feira (15/4) pela Apamagis e transmitido online pela plataforma Zoom. O encontro reuniu profissionais dos dois países com trabalhos ligados à implementação da Justiça Restaurativa em escolas, em dois painéis de discussão. Mais de 200 pessoas acompanharam o evento ao vivo.

A presidente da Apamagis, Vanessa Mateus, participou da solenidade da abertura, assim como o juiz Marcelo Nalesso Salmaso, coordenador do Núcleo de Justiça Restaurativa da Apamagis, que coordenou e mediou o evento. Vanessa Mateus disse que o encontro virtual, um anseio de há muito tempo, representava a construção de uma ponte entre Brasil e Chicago.

“O TJSP foi um dos pioneiros na implantação da Justiça Restaurativa no Brasil. E nos traz muito orgulho sermos pioneiros num programa tão importante como esse”, disse Vanessa Mateus, para em seguida lembrar do projeto-piloto realizado na comunidade de Heliópolis, em 2006, numa parceria entre o então PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento) com a então Secretaria de Reforma do Judiciário, do Ministério da Justiça. Este projeto foi coordenado pelos juízes Egberto de Almeida Penido, presente ao evento da Apamagis, e Eduardo Rezende de Melo.

“O objetivo, obviamente, era permitir que a trajetória daqueles jovens não tivesse como fim o Poder Judiciário, e a Justiça Restaurativa buscava esses jovens dentro da escola. Os resultados foram exitosos”, disse Vanessa Mateus, acrescentando que, em 2008, a Coordenadoria de Infância e Juventude do TJSP assumiu a Justiça Restaurativa como uma de suas políticas públicas, construída hoje em parceria com a comunidade.

“Acreditando nesse potencial transformador da Justiça Restaurativa, a Apamagis criou um núcleo temático que, desde 2015, tem atuado para disseminação da Justiça Restaurativa no meio em que nós vivemos. Nosso objetivo é promover a realização de palestras, de seminários, de cursos de formação e de eventos como este que estamos vivenciando hoje”, disse Vanessa Mateus.

João Salm, professor de Justiça criminal da Governors State University, de Chicago, consultor da ONU em projetos, e apresentado por Marcelo Nalesso Salmaso como “construtor de pontes da Justiça Restaurativa pelo mundo”, agradeceu o apoio da Apamagis em um evento que discute essa “ferramenta tão transformadora”.

Em seguida, a professora Shannon Maldonado, também da Governors State University, disse que a principal meta, nos Estados Unidos, é evitar que as crianças saiam da escola para sofrer punições no âmbito do Judiciário, incluindo detenção. Para a educadora, a Justiça Restaurativa pode mudar o futuro dos jovens. E que tem interesse em encontrar, nessa ferramenta, “formas alternativas para orientá-los e mantê-los de forma íntegra, para que possam progredir e ter um futuro”.

Ainda da Governors State University, participou da abertura Rhonda Jackson.

O professor da University of Chicago Duane Davis disse que muitos problemas são globais e que se todos fossem tratados como seres humanos, com respeito, as instituições seriam diferentes “Nós enfrentaríamos problemas e desafios de uma forma diferente”, afirmou Davis, que apoia iniciativas que troquem o modelo punitivo pelo dialógico.

O coordenador do Grupo Gestor da Justiça Restaurativa do TJSP, desembargador Reinaldo Cintra Torres de Carvalho, afirmou que a Justiça Restaurativa funciona no TJSP como uma estrutura autônoma dentro da Coordenadoria, com comitês regionais e atividades próprias. “Dessa forma as pessoas podem trabalhar de forma diferenciada e livre para poder incrementar essa prática, que considero talvez a mais importante que a gente pode ter neste momento do mundo tão desregrado e problemático”, disse o magistrado.

Coordenador dos trabalhos do Grupo Gestor da Justiça Restaurativa do TJSP, o juiz Egberto de Almeida Penido elogiou a gestão atual da Apamagis. “É de muita competência, mas também de compromisso social”, afirmou, ao destacar a iniciativa do encontro. Disse que ao levar a Justiça Restaurativa às escolas é importante considerar o inevitável confronto com a questão cultural do sistema punitivo, mas é preciso seguir adiante. “Ao trabalhar com Justiça Restaurativa, as escolas devem buscar ser não só hospedeiras de práticas dialógicas e horizontais, mas rumar em direção ao modelo de gestão democrática.” E acrescentou: “Se for só uma metodologia, ela corre o risco de ser cooptada pela estrutura”.

Revolução na Escola Barão de Surui
A experiência realizada pela Escola Barão de Suruí, em Tatuí (SP), foi um exemplo prático de como foi importante implantar a Justiça Restaurativa não só como metodologia, mas como ferramenta para a construção de um novo modelo de gestão.

O tema foi tratado no primeiro painel, chamado “Compartilhamento de Experiências”, e dividido em dois blocos: primeiro, com as ações desenvolvidas em Tatuí, e depois, com as de Chicago.

Segundo a professora Kátia Cristina Jeronimo Leite de Oliveira, tudo começou quando duas alunas experimentaram a Justiça Restaurativa do TJSP para resolver um conflito entre elas. “A arte de ouvir foi encantamento gigante. As adolescentes até estranharam, porque tiveram espaço de fala”, contou a educadora.

A escola acabou servindo como ponto de implantação do projeto-piloto de Justiça Restaurativa na cidade junto com o TJSP, mas no início houve uma tensão, um clima de ameaça nas relações verticais. “Tivemos que aprender com os erros”, disse Kátia de Oliveira.

Se no início os jovens receberam com desconfiança o projeto, depois passaram a ver nesse modelo de gestão democrática uma forma de ter voz e protagonismo. Aulas passaram a ter o modelo circular de cadeiras, houve atividades como aula de yoga e eventos temáticos conduzidos pelos próprios alunos, por exemplo.

“Nos círculos, os alunos foram aprendendo a importância de falar sobre as emoções e conhecê-las de fato”, disse João Luiz Azevedo, coordenador geral da escola.

A experiência, segundo Kátia de Oliveira, levou à redução drástica de casos de indisciplina e provocou a multiplicação desses conceitos, levados pelos próprios alunos às suas comunidades.
Também participou deste bloco a diretora da escola, Adriana Cristiana Rainho da Silveira. Por conta de o tempo de exposição ter excedido, o vídeo com a participação de uma aluna da escola não pôde ser exibido no seminário.

Redução de suspensões
A experiência desenvolvida na Thornwood High School, de Chicago, foi o tema do segundo bloco do painel. Igualmente revolucionária, criou um modelo acolhedor, em vez de punitivo, que resultou na redução em 75% do número de suspensões.

Segundo a professora Eboni Rucker, o objetivo principal era reduzir a conexão entre escola e prisão. “Quanto mais tempo os alunos ficam na rua, maior é a tendência de cometer crimes e serem presos”, explicou.

“Na Thornwood High School, somos, majoritariamente, americanos negros. Alunos negros são expulsos e suspensos com incidência elevadíssima”, disse Eboni Rucker. Os alunos recebiam punições, mas, segundo a professora, eram obrigados a ficar quietos e não tinham como lidar com o trauma. “E essa é uma idade muito tensa”, destacou.

Com a Justiça Restaurativa, foram criados um comitê de resiliência e uma sala de aula à parte de outras, a reset room, de portas abertas permanentemente. Eles poderiam recorrer ao espaço por questão de fome, conflitos familiares ou outros problemas, sem julgamentos. Alunos que tiveram envolvimentos com armas eram reintegrados. “Tornou-se um espaço mais seguro para os funcionários também.”

Segundo o diretor Don C. Holmes, as suspensões de um dia foram eliminadas. “O motivo era porque chegavam tarde”. Para o educador, essas questões não devem ser ignoradas, mas lidadas de forma diferente. Manter o aluno fora do ambiente só o distanciaria das tarefas escolares necessárias.

Discurso emocionado
Diretora executiva da New Community Outreach, Sonia Mi-Sun Wang compartilhou uma outra experiência da instituição, iniciada com jovens em Chicago e estendida a toda a comunidade no entorno: implementação de hortas comunitárias.

Também fizeram considerações finais Shannon Maldonado, da Governors State University; Duane Davis, da University of Chicago, e o juiz Egberto Penido, do TJSP.

João Salm, da Governors State University, agradeceu a todos e disse que ficou “muito emocionado com o trabalho que meu xará, João, a diretora e toda a equipe de Tatuí fazem”. “São Paulo é o lugar mais restaurador do Brasil. Estou muito orgulhoso de vocês e gostaria de continuar contando a história de vocês por todos os lugares por onde passo no mundo”, finalizou.

Marcelo Nalesso Salmaso disse que novos eventos sobre o tema serão realizados. “A Justiça Restaurativa é profunda e transformativa, que fala como superarmos as diretrizes do individualismo, do utilitarismo, do consumismo e da exclusão a lógica da competição e da dominação de uns sobre os outros”, ressaltou. Possibilita criar uma outra lógica, dentro das escolas, que não a “da dominação pelo medo e pelas punições presente nas instituições e também nas escolas. Uma lógica de cooperação e cuidado. Cuidado consigo, com o outro e com o meio ambiente, e que transforme não só os conflitos, mas a convivência de uma forma geral. Ou seja, cuidar dos seres humanos”.

Por questão de tempo, as perguntas enviadas pelo público seriam respondidas individualmente, por e-mail. O vídeo do evento será disponibilizado às pessoas que já haviam feito a inscrição.

 

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