Graciliano Ramos, busca o delírio real do narrador no livro “Angústia”

8 de outubro de 2020

Graciliano Ramos quase jogou no lixo os manuscritos de “Angústia”. Tentou fazer isso várias vezes. Só não o fez por causa da amiga e também escritora Rachel de Queiroz, de quem a mulher de Graciliano tinha muito ciúme, que insistia na publicação, dizendo-lhe que o livro era ótimo. Sábia percepção, uma vez que hoje a obra figura entre as grandes criações do alagoano.

Quem contou essa passagem foi o neto do autor, o também escritor Ricardo Ramos Filho, durante o Clube de Leitura da Apamagis, nesta terça-feira (9/10). O encontro, realizado pela internet, reuniu 61 pessoas.
Essa foi a segunda colaboração de Ricardo na série de encontros de 2020. Na anterior, em junho, o convidado falou sobre outra obra do avô, “São Bernardo”.

Terceiro romance publicado por Graciliano Ramos (1892-1953), “Angústia” é, assim como os anteriores “Caetés” e “São Bernardo”, narrado em primeira pessoa. No caso, por Luís da Silva, funcionário público desgostoso com a vida e que se vê tomado pelo ódio quando um homem bem-sucedido corteja sua vizinha Marina, por quem é apaixonado.

No desordenado fluxo de memórias do personagem, aparecem frustrações e lembranças da infância, de seu avô, latifundiário e alcoólatra, e do pai, que, embora preguiçoso, era ávido leitor de livros.

Esse fluxo de memórias se torna ainda mais delirante no final. Segundo Ricardo Ramos Filho, Graciliano escreveu o último trecho e terminou a obra alcoolizado. Mas a intenção, mesmo se não houvesse a bebida, já era criar um delírio real, “o maior possível”.

Escrita meticulosa
Graciliano, segundo Ricardo Ramos Filho, dava especial atenção aos detalhes na confecção de seus livros. Para tratar do crime narrado em “Angústia”, foi estudar criminalística. E para inserir expressões locais, como “trombudo”, “mangar”, “aperrear”, destacados pelos participantes do Clube de Leitura, Graciliano costumava fazer uma espécie de pesquisa de campo.

“Quando ele terminou de escrever ‘São Bernardo’, falou para a minha avó: ‘Eu acabei de escrever em português, agora vou escrever em brasileiro’, e saía com o caderninho ouvindo e anotando expressões”, contou Ricardo Ramos Filho.

Graciliano revisava “Angústia” a cada nova edição, mas dizia que ia parar senão uma hora o livro sairia em branco.

No Clube de Leitura, a conversa abordou o existencialismo e o tratamento dado às mulheres na obra, mas a grande discussão foi sobre o assassinato de Julião. Teria ou não o protagonista cometido o crime? Ricardo Ramos Filho primeiro achava que não, mas depois concluiu que sim. Para o neto, a dúvida foi deixada de propósito: “Para mim, o livro é tão mais literário quanto mais leituras diferentes ele permita”.

O titular da cadeira 26 da APL (Academia Paulista de Letras), José Fernando Mafra Carbonieri, que esteve no encontro, resumiu suas impressões: “’Angústia’ é a vertigem da liberdade”.

O livro foi lançado quando Graciliano Ramos estava preso em Ilha Grande (RJ), detido mesmo sem julgamento. Essa experiência depois viria a ser contada na obra “Memórias do Cárcere”, também adaptada para o cinema.

O próximo Clube de Leitura será realizado no dia 3/11, às 19h. O tema será o livro “O Deserto dos Tártaros”, de Dino Buzzati, com mediação da magistrada Danielle Martins Cardoso. Não haverá participação de convidado. As inscrições podem ser feitas pelo e-mail clubedeleitura@apamagis.org.br.

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